terça-feira, 31 de julho de 2012

jogo sério

"Nunca tive uma relação com alguém desta mesa." Bebe, entre risos de uns e aplausos de outros. "Nunca tive relações assim." Bebe, entre risos de uns e aplausos de outros. "Nunca tive relações assado." Bebe, entre risos de uns e aplausos de outros. "Nunca amei ninguém." Bebe. "Nunca tive uma relação com quem amei." Dois bebem, os outros apenas olham para o copo meio vazio. "É a tua vez", dizem. "Nunca sofri por amor", digo. Neste momento, nem o mais ligeiro movimento em direção aos copos colocados à nossa frente é feito, nem o mais ligeiro som é emitido. Será porque,realmente, nunca nenhum de nós sofreu, ou porque nem o álcool é capaz de afogar essa dor agonizante? Pouco a pouco, a medo, como que receando revelar o pior dos segredos, subitamente sóbrios, subitamente sérios, cada um de nós foi pegando no seu copo, ponderando cada gesto, e saudando cada um a sua sorte, fomos bebendo. Todos nós sofremos por alguém, todos nós o tentamos ultrapassar, mas nenhum de nós conseguiu esquecer. "Eu...nunca nadei nu!" gritou um de nós,desviando-nos daquele momento triste e solene, em que todos mostramos que nenhum de nós tem o coração inteiro. E a noite correu alegre, tentando esquecer aquele momento, mostrando que não há dor que não se supere.

As Sem Razões do Amor

"Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou de mais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor."


Carlos Drummond de Andrade, in 'O Corpo'

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Espera

"Que estás a fazer?" "Estou à espera." "À espera de quê?" "Do amanhecer." O amanhecer. Um amanhecer que chegou rápido demais,enquanto repousava no teu peito. Momentos fugazes que passávamos juntos, deitados de mão dada,à espera de mais um amanhecer que te iria arrancar de junto de mim. A eternidade que levaria até ter-te assim novamente. Uma eternidade que me matava por dentro, a ânsia por uma palavra, um gesto, um olhar que me dissesse que seria este o fim desse tempo que passava sem ti. O fim dos olhares tímidos, das frases codificadas. Queria poder desvendar este sentimento, de não ter de esperar mais pelo amanhecer, de não ter de aguentar mais a distância e o fingimento. Queria ver chegar o dia em que, quando te perguntasse pelo que esperavas, me dissesses: "Por ti. Por nós." Mas não chegou. Agora espero anoitecer, e que as sombras levem e lavem as recordações daquelas noites de esperanças que nos desesperavam.